quarta-feira, 3 de junho de 2009

No kids


Vem este escrito a propósito de uma conversa com a A. Conversa longa, que se espraiou madrugada fora. Eu tecia loas à minha existência de mulher emancipada, que de seres vivos com direito a co-habitação permanente só consente a gata e duas orquídeas. Dizia-me satisfeita, realizada, apesar das noites sem dormir, do excesso de cigarros e do peso da carga fiscal. Nisto, dei por mim a pensar naquilo que a A. se encarregou de verbalizar: eu até concebo a ideia de arranjar alguém, mas cada vez mais penso em não ter filhos...

Assustei-me com o meu pensamento, que a A. se encarregou (como tantas vezes acontece nas nossas conversas) de verbalizar. De repente, dei por mim cheia de culpa, a achar que tinha caído num discurso batido desses que aparece nas revistas dos semanários, mas depois percebi que a coisa era mais grave e que a nossa conversa era algo menos profunda do que o habitual, cingindo-se à mera constatação de factos: não vou ter filhos.

Lembro-me de uma personagem dos livros da Mafalda (a Susaninha), que vivia apavorada com a ideia de não deixar descendência. À minha volta, o mulherio tem filhos como eu tenho sapatos. Na minha família, quem não põe a anilha antes dos vinte e três e não fica com mais estrias do que uma zebra antes dos trinta não é mulher não é nada. Aliás, quem não é escrava do marido, da família dele e dos filhos que dele vai tendo é uma posta de carne com dois olhos.

Fiz uma retrospectiva da minha vida e comecei a perceber o que me está a acontecer e, acreditem ou não, invadiu-me uma sensação de paz como há muito tempo não experimentava. De repente, percebi que tudo o que me aconteceu foi sempre por minha exclusiva vontade e que, no fim de contas tudo correu pelo melhor (esta é dedicada ao mestre Pangloss! Vive Voltaire!).

No kids. Isto pode parecer mal a muita gente, mas desde esta conversa com a A., arrumei muita coisa que andava à solta dentro da minha cabeça.

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