terça-feira, 21 de junho de 2011

O amor entre iguais é um exercício onde todas as formas de crueldade são admitidas, onde não há espaço de consentimento para a inflicção da dor, porque tal consentimento já foi dado ao aceitar-se um igual como sujeito amado.

É aceitar isto ou conformar-se com uma vidinha mediocre, com supermercados ao fim-de-semana e criancinhas briguentas no banco de trás do carro comprado a prestações.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cada um mercadeja com o que pode. E no ofício de mercadejar, uns há que são merceeiros de esquina (mercadejam de tudo um pouco), outros há que se especializam em determinadas formas de comércio. A podridão é a mesma. A diferença é a apenas a que vai do papel pardo ao papel timbrado.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Gatos, zinco quente e brasas

Gata em telhado de zinco quente é, definitivamente, um dos filmes da minha vida. Beatnik até à medula (característica que era meio caminho andado para arrepiar de nojo a pele alva da Sibila), juntou dois titãs do cinema, num enredo cheio de amor cru, feroz, de vícios, de quedas em desgraça e, sobretudo, de uma mulher indomável que tem a desdita de se apaixonar por um falhado e (desdita ainda maior) de gostar mais dele do que ele dela.
Liz Taylor e Paul Newman fizeram-me perceber que o tédio das vidinhas da gentinha feliz não é material idóneo para se fazer uma boa história. O tédio das criancinhas birrentas e mimadas, as idas ao supermercado ao sábado e as rotinas pavlovianas do povo não são terreno propício ao amor cru e desbragado que só uns quantos previlegiados têm a sorte de encontrar e de se atrever a viver.
Vem isto a propósito de gatos, de temperatura, e do efeito desta num telhado de zinco sob as patas do bichano.
Tenho um primo amante de motos (e que, com tanto acidente e operação já está quase transformado num ciborg) que tem uma expressão deliciosa. Quando eu lhe digo: "Vai devagar", ele responde-me a rir: "Vou como um gato por cima das brasas". Já caiu mais de vinte vezes, esteve entre a vida e a morte outras tantas e não deixa de andar sobre duas rodas.
Há trinta anos que oiço esta frase e finalmente percebi a razão pela qual o filme me tocou tanto. É que eu sou uma gata em telhado de zinco quente, que vive em cima de brasas, intensamente.