quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Acordo Ortográfico

«Há resistências de algumas pessoas, e não são muitas, que têm uma relação emocional, clássica, física e sensorial com a Língua. Mas ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas».

José António Pinto Ribeiro, Ministro da Cultura.

sábado, 9 de agosto de 2008

Onde vais tu outra vez?

Onde vais tu, outra vez? Logo agora, que eu pensava que finalmente te tinha na mão (ou melhor, nas minhas patas negras), agora que eu achava que eras finalmente minha e que tinhas desistido do mundo que está do outro lado da porta e que, eu, apesar de não conhecer, desprezo, porque te rouba de mim todos os dias.

Vou barricar-me em cima do tapete, deitar em cima de ti todo o meu charme, enroscar-me às tuas pernas e miar, desconsolada do teu novo abandono. Vou mesmo olhar para ti com os meus olhos azuis que tu adoras e fazer-te minha prisioneira, nem que seja só por esta tarde.

Ando louca de saudades tuas e, mal saias pela porta fora, vou enroscar-me na tua camisa de noite e buscar o teu cheiro em todas as peças de roupa que encontrar. Agora, que já sei abrir as portas do armário, vou desdobrar toda a roupa que já passaste a ferro, vais ver. Vais ficar fula comigo quando descobrires. Mas eu tenho os meus recursos secretos e sei como provocar-te. Vou ronronar em volta das tuas pernas, virar-me de barriga para cima e, quando finalmente te vergares sobre mim, salto-te para o colo e tu, cheia de culpa, cairás outra vez nas minhas manhas.

Vives na ilusão de que me possuis, mas eu é que te trago pelo beiço. Vou deitar as almofadas ao chão, desatar a correr casa fora e deixar que me apanhes num canto qualquer, a pensar como tens sido injusta para a tua bichana. E depois, vais-te embora outra vez e lá tenho eu de inventar novas maneiras de te cativar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

(...)

Procuro-te pelas ruas desertas desta vila plantada na terra do Alentejo, nascida de um solo que, curtido pelo sol de muitos séculos, esperou, sequiosa, por ti. Uma terra que esperou que as palavras saídas da tua pena a desenhassem para a imortalidade dos tempos feita escrita.

A tua vida foi um rasgo na modorra, um parêntesis na canícula dos sentidos que afectava todos à tua volta. A vida de um ser humano não cabe num círculo. Nem sequer no círculo de significância abarcado por uma palavra.

A morte do teu corpo sobreveio cedo. Ficou muito por conversar, e outro tanto por escrever. Discreta, a tua morte física. Perenes, as palavras que me deixaste. Houve depois disso um descerrar de uma lápide e um monumento à memória feito por gente que nunca te percebeu. Se calhar estás a rir-te num sítio qualquer deste desfecho imediato. Mas os desfechos mediatos e aqueles que nunca se verificaram sempre foram o teu terreno, essa estrada perigosa de ser percorrida.

As ruas estão vazias demais para me aguentar por aqui. Nem sequer a tua está bonita. Fazes cá muita falta, apesar de, enquanto cá estiveste, teres andado sempre a planar por outras paragens. Tenho saudades tuas e continuo a escrever-te. Espero encontrar-te por estes dias, à esquina de um muro caiado, escondido atrás de uma trepadeira, perdido de riso, enquanto eu te procuro sem te ver.