quinta-feira, 26 de abril de 2007

No feminino

Todas somos descendentes em linha recta de Medeia e de Electra. E isto não augura (nem nunca augurou) nada de bom.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

The Great Gatsby

Era uma espécie de Great Gastby dos negócios. Se a contraparte era do sexo oposto, jogava perigosamente no primeiro round atirando charme e deixando um rasto de destruição e sedução consentidas à sua devastadora passagem. Se eram homens, não havia quem resistisse à sua pesada artilharia, ardilosamente dotada dos piores artifícios que a crueldade humana já congeminou. Nestes casos, era um terreno de batalha, cheio de bandeiras brancas e de gente decepada o que ficava para trás da sua impiedosa máquina de guerra.

Mas era só isso. Muito esplendor para esconder coisas menos dignas. Grande esplendor para fintar medos, inseguranças, cobardias e ideias distrorcidas sobre tudo e todos, completa ausência de consideração pelos seus semelhantes, total incapacidade de ser feliz e de espalhar a felicidade à sua volta. Em suma, the Great Gatsby era uma besta de estupidez que acabava por jogar contra si mesma os males que inflingia aos demais, porque não achava nenhum ser humano capaz de pensar genialmente como ele e de sofrer do mesmo modo, de forma que aquilo que cada um sentia à sua volta era absorvido pela sua megalomania sentimental sem peias.

A ilusão que manteve sempre acerca da sua capacidade de acção sobre tudo e todos (consequência de um umbiguismo sem limites) acabava por desembocar num estranho complexo de culpa que se esgotava em si mesmo, porque o objecto da culpa não era nenhum ser humano nem nenhuma situação concreta, mas os objectos desprovidos de qualquer valor nos quais uns e outros se degradavam ao seu olhar distorcido.

Não sei como acabou. Não quis ficar para saber e não me arrependo.

Isto nos livros pode ser belo, na vida real é um inferno.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Crueldade

Há dias em que a crueldade se torna numa espécie de razão prática. Hoje é um desses dias.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Povo de Macondo

De repente, esquecemo-nos dos significados das palavras. Em vez de colocarmos post its amarelos em testas de pessoas, em objectos, em animais e em tudo quanto existe (como fizeram os de Macondo nos Cem Anos de Solidão), desatamos a rotular os outros. E a tragédia acontece quando os post its, na confusão do momento, são trocados: o conservador fica com o papelinho do preconceituoso, o sério com o do demente mental, a promíscua com o da virtuosa.

Só falta uma tempestade que nos varra do mapa.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Higher


Lindos como a Vénus de Milo, como a Ode Marítima, como os Irmãos Karamazov, como um belo dia de sol. Sibila nas nuvens, com oito centímetros a separarem os seus calcanhares do chão.

Marias, again


Acabou de ser publicada em França a segunda parte do romance Tu Rosto Mañana, de Javier Marias, que dá pelo título de «Dança e Sonho». Cá, continuamos à espera, numa altura em que o escritor se encontra a escrever o epílogo da sua obra prima.


Mais um pecado

Ontem soube que alguém que conheço teve uma filha. Senti que o mundo é uma grande merda, porque são as amibas que procriam, sem amor, sem esperança, transformando a humanidade numa cadeia infinda de gente malformada e infeliz. Um jantar e muitos cigarros depois, cedi aos meus pensamentos e disse a duas almas que me ouviram boquiabertas que, no fundo, o que eu sentia era inveja da tipa. É mesmo verdade, o sexto pecado mortal, para além dos outros todos, desceu sobre mim.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

A dúvida perene

What shall we do tomorrow?
'What shall we ever do?'
The hot water at ten.
And, if it rains, a closed car at four.
And we shall play a game of chess,
Pressing lidless eyes and waiting for a knock upon the door.


T. S. Eliot, The Waste Land

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Olhares

A perspectiva é, definitivamente, o meu plano de observação favorito. Em perspectiva, as arestas são menos cortadas, as imperfeições mais esbatidas, as dimensões melhor enquadradas no espaço.

Em perspectiva, as coisas são colocadas nos seus devidos lugares. Contudo, a visão em perspectiva só é possível encontrado que seja um ponto de observação que garanta a segurança sob os pés do observador.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Lei da Gravidade

É muito grave colocar seres humanos nas alturas da nossa consideração: a quantidade de estilhaços tende a ser directamente proporcional à altura da queda.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Volto já


Apetites

Hoje não me apetece o mundo. Nadinha.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Habla Castellana

A revista colombiana Semana reuniu oitenta e um especialistas em literatura, que elegeram os 100 melhores romances escritos em língua castelhana no século XX. Garcia Marquez e o monumental O Amor nos Tempos de Cólera ficaram em primeiro lugar, logo seguidos de Vargas Llosa com A Festa do Chibo. De salientar que Javier Marias viu três dos seus romances incluídos na lista: Coração tão Branco (6.º lugar); Todas as Almas (36.º.º lugar) e Amanhã na Batalha pensa em Mim (9.º lugar). Entrada a matar do Proust-Conrad-Conan Doyle de Madrid, decisivamente, um dos meus contemporâneos preferidos. Imperdoável o esquecimento de Torrente Ballester. Justíssima a posição de Vargas Llosa. Imperdoável, igualmente, o Mestre de Esgrima de Reverte ter ficado em 85.º lugar. Injusta a posição de Cabrera Infante (96.º). Sepúlveda em 46.º dá-me náuseas. Carlos Fuentes justamente a meio da tabela. Ausência mais do que sentida da Casa dos Espíritos, o único de Isabel Allende que vale mesmo a pena. Justo o esquecimento de Camilo José Cela.

Ainda que disto eu nada perceba, concordo com a primeira e com a segunda nomeações. Claro que eu substituiria O Amor nos Tempos de Cólera pelos Cem Anos de Solidão. Mas isso sou eu.

Isto é assim porque o Jorge Luís Borges nunca lhe deu para romancear. Imaginem o que poderia ter feito...

Vejam a lista aqui.

O Aniversário de Xerazade

Xerazade ia fazer anos. Em vez de recorrer a um génio prisioneiro de uma lâmpada, mandou sms às amigas a dizer que queria que passassem o fim-de-semana de 24.03 com ela. Nada mais disse. Houve quem, não reconhecendo o número do telemóvel, se enchesse de auto-convencimento, pensando que os seus dias de fêmme fatale tinham regressado e que se tratava de um convite de um amante esquecido.

Lá foram as três, pelo comboio que, pelas oito e meia da madrugada de sábado, partia de Olissipo para Beja. Do comboio, ficou o inesquecível sabor a sugus de limão que alguém descobriu no bar. Muitas fotografias. A planície estendia-se no sol de Março. Não se pensava no que tinha ficado a esperar por nós em Olissipo. Tudo diminuia de tamanho à medida que a pouca velocidade do comboio ganhava distância da cidade.

Já à tarde, vimos a Senhora do Castelo e, lá em baixo, a planície vermelha, sob a qual os homens têm escavado as entranhas da terra desde há mais de vinte séculos. Planície a perder de vista, longe de Olissipo. À meia distância, lagoas avermelhadas pela água forte, preenchiam a planície.

De noite, Xerazade e as amigas prepararam-se para a festa. Xerazade de preto. Sibila de Preto. Foi a primeira vez que Xerazade escolheu a cor da Sibila e correu-lhe lindamente.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

1 de Abril

Ontem, completamente insensível ao mundo e à respectiva humanidade, fechada no espaço que não desvendo, o telefone tocou. Eras tu. Um sms a avisar-me que ias casar. Dei um pulo na cama e liguei-te imediatamente. Rias descaradamente do outro lado da linha: era dia um de Abril.

Era mesmo muito giro se fosse verdade.

Curiosamente, foi o dia em que decidi voltar aqui, depois de um curto silêncio.