quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Falta de paciência

Não tenho paciência para pedantes que relêm Dostoyevsky e adiam a releitura de Proust para o próximo verão.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Definições

Ando naquela fase da vida em que as mulheres gostam de amores cultos que não geram crianças.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Mesuras

Quando a questão pende para o inferno das paixões, convém ter presente o significado das palavras. Sobretudo, não esquecer nunca que, da interpretação declarativa lata à analogia vai um passo de caracol.

Uma questão de sexo

A solidão é feminina: em modo de ser e em hábitos.

Dores

Tenho família e amigos preocupadíssimos com o meu estado de saúde. Todos pensam que as dores do corpo me levarão ao torpor irreversível da morte. Naturalmente que não lhes posso dizer que serão as dores da alma que me transformarão numa jovem Ofélia. Este corpo-judas não pode nada comparado com o que me vai na alma.

Provisoriedade

Vivemos provisoriamente. Em casas provisórias, com pessoas provisórias. Temos afectos provisórios e ódios provisórios. Até que um dia, neste viver e estar provisório, damo-nos conta de que a provisoriedade irradia de nós para os seres e para as coisas à nossa volta. O inverso é impossível de se dar.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Banda larga

Avisam-se os blogonautas que commumente aportam a este porto de águas revoltas que a Sibila adquiriu uma placa usb. Agora nem no Alentejo vos deixo em paz.

Ossos do ofício

Tentem convencer uma amiga apaixonada de que:

(i) o casamento é um contrato e o amor para sempre não existe;
(ii) o amor- enquanto dura- não tem nada a ver com dinheiro, contas bancárias nem criacinhas que dormem mal e que se portam pior;
(iii) na eventualidade de contratualizar a coisa, convém ser com separação de bens;
(iv) já agora, convém fazer convenção antenupcial;
(v) uma relação não vai melhorar se se usar um anel ridículo no anelar esquerdo;
(vi) os homens amam na horizontal, três vezes por semana;
(vii) correm riscos de os filhos saírem a eles;
(viii) vão dar cabo da carreira e do corpo em particular da vida em geral;
(ix) vai chegar um dia em que vão querer ter um amante e vão encher-se de culpa por isso;
(x) vai chegar o dia em que vão deixar de ter vontade de amar;
(xii) só fazem o pré-contencioso de borla, porque o divórcio já é a pagantes.
(xiii) é melhor não meter Deus ao barulho.

É quanto basta para que percebam o que é ter amigos que se tornam clientes.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Bombas

Citando, de memória, Vergílio Ferreira (algures no Em Nome da Terra), digo-vos hoje que todos nós somos portadores de bombas-relógio. O pior acontece quando, nas diversas esquinas da vida, alguém aparece com um isqueiro e acende o rastilho. As consequências são irreversíveis, para os portadores e para os circunstantes, que apanham com os estilhaços da bomba e do corpo que a albergava em silêncio.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Homens e Mulheres

Os homens gostam de deixar portas entreabertas. Para eles, as relações passadas não transitam nunca em julgado. Eu prefiro fechar as portas com estrondo, partir vidros e votar certos pensamentos à prescrição, seguindo sempre a regra que diz ne bis in idem.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

The Wall


Percebi, num repente de pensamento, que construí uma cortina de ferro à minha volta. Do lado de fora, qualquer negociação será regida pela lei marcial. Do lado de cá, uma banda sonora que dispensa apresentação sustenta o medo da capitulação.

Memórias do Alentejo para sobreviver em dias maus. É espantoso como o vermelho fica bem neste fundo (cada vez mais) preto.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Coração das Trevas

Tenho medo, tanto medo, e não sei onde o colocar nem o que fazer com ele. O meu medo é antropomórfico, mas todo o dia lhe nascem novos braços e mãos, pernas e pés e até, vejam só, tentáculos. Agarrou-se a mim de tal maneira, consumindo-me as parcas energias deste corpo-judas com que a Natureza me brindou. Mal consigo respirar e o céu está cada vez mais perto da minha cabeça. Curiosamente, os meus pés estão no inferno e, acreditem se quiserem, não os sinto de gelados.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O Senhor Medo

Diz-se na minha terra que quem tem cu tem medo. Não é preciso recorrer ao raciocínio silogístico para concluir que eu deveria ter medo. É estranho, aos vinte e seis, com três extremas unções no currículo, dar de caras com o Sr. M., nos corredores de um hospital. O sacana estava lá e, assim que me viu, sacudiu a lapela do fato preto impecável e disse-me, atirando-me um esgar de troça: olá, por onde tens andado nos 26 últimos anos? Está na altura de nos conhecermos.

Não foi bonito. O pior é que fiquei cheia dele.