terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ser outro

As redes sociais estão aí, prontas a substiuir o tempo e o espaço que se deixou de ter para conviver (no sentido etimológico do termo). Cumprem, igualmente, (ou não fosse a sua designação anglo saxónica "teia") um perigoso desígnio, que é o de nos "agarrarem" a pessoas que, tendo aportado à nossa existência em tempos passados, pretendem "religar-se" connosco através de um clique, pretendendo fazer ressuscitar uma relação que, tendo sido o que quer que fosse, deixou, pelo decurso do tempo, de fazer qualquer sentido.


Há relações que caducam. Como os contratos e como as Leis. E caducam porque quem nos conheceu, num dado momento, conheceu outro que não aquele/aquela que hoje somos. E isto é especialmente evidente quando nos "recruzamos" com pessoas que ficaram estacadas no ponto existencial de onde há muito decidimos partir, com bilhete só de ida.



E como é que isto se resolve? Com um expediente virtual: recuperar, por momentos, o nosso avatar passado, agradecendo o convite para "ser amigo" (já fomos, deixou de fazer sentido, mas um clique é sempre simpático), ter uma conversa virtual mais ou menos inócua (até porque há muitos "amigos" a assistir) e rezar para que a criatura em causa se confine à sua caducidade, não nos importunando, na tentativa de dialogar com um ser que já não somos mais. Ou seja, ao mundo virtual, reage-se sendo-se virtual, inócuo e esperançoso de que tudo fique como está, porque o que foi (fomos) não volta(mos) a ser.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Há gente que vive daquilo que não resultou das suas escolhas, sejam serem filhos de quem são, seja o nome que lhes coube. Cruzei-me com demasiada gente desta na vida. Gente que, não trabalhando nem sabendo tanto quanto eu, fazia (de conta) tudo o que eu fazia e, não raras vezes, colhia louros superiores aos meus. A fazer fé na circunstância de todas essas pessoas andarem sempre frescas que nem alfaces, sempre tive para mim que o facto de obterem resultados sem esforço que se comparasse com o meu, não as privava do sono nem lhes consumia os nervos. Percebi, cedo, que essa gente era imune à dúvida legítima que sobre se o que eram se devia a si mesmos ou a interferências distorsivas por parte de que decidiu apadrinhá-las. E eram imunes, ou porque tinham a inteligência de uma ostra, ou porque, sendo um pouco espertas, atiravam as dúvidas para trás das costas, sem que as mesmas lhes causassem mossa.




Devo dizer que muitas vezes tive dúvidas acerca de mim. Mas nunca as minhas dúvidas recairam sobre a justeza dos reconhecimentos pessoais e profissionais que fui tendo. Menos ainda recairam sobre as minhas capacidades. Tenho sido sempre senhora das minhas escolhas e da minha vida e nunca admiti que alguém decidisse por mim o que fazer com ela.




Podia aqui relatar o triste episódio que vivi há poucos dias. Mas seria doloroso demais revisitar a injustiça. Afinal, relembrando Pessoa, só me resta dizer que em Portugal "o reconhecimento é não técnico". Não interessa nada ser-se bom. Isso interessa apenas para nós. E para quem não tiver olhos para ver isso, que fique resignado ao círculo dos sabujos que os seus protectorados criam.




Infelizmente, há coisas em Portugal demasiado profundas para serem mudadas pela Troika.