segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Há gente que vive daquilo que não resultou das suas escolhas, sejam serem filhos de quem são, seja o nome que lhes coube. Cruzei-me com demasiada gente desta na vida. Gente que, não trabalhando nem sabendo tanto quanto eu, fazia (de conta) tudo o que eu fazia e, não raras vezes, colhia louros superiores aos meus. A fazer fé na circunstância de todas essas pessoas andarem sempre frescas que nem alfaces, sempre tive para mim que o facto de obterem resultados sem esforço que se comparasse com o meu, não as privava do sono nem lhes consumia os nervos. Percebi, cedo, que essa gente era imune à dúvida legítima que sobre se o que eram se devia a si mesmos ou a interferências distorsivas por parte de que decidiu apadrinhá-las. E eram imunes, ou porque tinham a inteligência de uma ostra, ou porque, sendo um pouco espertas, atiravam as dúvidas para trás das costas, sem que as mesmas lhes causassem mossa.




Devo dizer que muitas vezes tive dúvidas acerca de mim. Mas nunca as minhas dúvidas recairam sobre a justeza dos reconhecimentos pessoais e profissionais que fui tendo. Menos ainda recairam sobre as minhas capacidades. Tenho sido sempre senhora das minhas escolhas e da minha vida e nunca admiti que alguém decidisse por mim o que fazer com ela.




Podia aqui relatar o triste episódio que vivi há poucos dias. Mas seria doloroso demais revisitar a injustiça. Afinal, relembrando Pessoa, só me resta dizer que em Portugal "o reconhecimento é não técnico". Não interessa nada ser-se bom. Isso interessa apenas para nós. E para quem não tiver olhos para ver isso, que fique resignado ao círculo dos sabujos que os seus protectorados criam.




Infelizmente, há coisas em Portugal demasiado profundas para serem mudadas pela Troika.

5 comentários:

Olinda Gil disse...

Ai amiga, as tuas palavras doem tanto por serem tão verdade.

Anónimo disse...

O que a lucidez tem de útil tem-no de pesado, tendencialmente o espírito lúcido cultiva uma certa seriedade de propósitos e não raras vezes colhe a incompreensão. Tudo porque da terra brota tanto o útil e capaz que a cultiva como o inútil e leve que a vota ao abandono. A seu tempo só a capacidade se revela criadora, embora tenha invariavelmente de coexistir com a cegueira, talvez porque se assim não fosse não haveria ninguém que fizesse com que o cego percebesse que de facto não vê.
P.S.: gosto do seu blog, é sumamente realista espero que não se importe que o visite de quando em quando.

Manuel Bruschy Martins disse...

Ana Rita,

Que lhe valha a riqueza de uma consciência que, existindo, a deixa descansada pelo valor dos seus actos. Afinal, os louros, justos ou injustos, só temperam o sabor das coisas, mas na essência há que ter o bastente para valermos por nós próprios. Isso ninguém lhe tira. E se é verdade que a injustiça não desaparece, e que são ingénuos os que acham que basta o esforço e o talento para a recompensa neste país, não é menos verdade que se "ser-se bom" "interessa apenas para nós", interessa, por isso mesmo, bastante.

Fique bem,
Manuel

sibila disse...

Olá Olinda!

Metamorfosys, é uma honra, pode visitar-me quando quiser.

Olá Manuel!

Anónimo disse...

:) sempre me pareceu que se devem estimar e ouvir aqueles que exigem de si, infelizmente não vivemos numa meritocracia, o que não implica que se deva desistir de buscar a excelência e apreciá-la.