terça-feira, 26 de junho de 2007

3 versos para o dia de hoje

«Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros-
Sem nos dar braços para os alcançar?!...».

Era alentejana como eu. Era poetisa e chamavam-lhe Bela. Escreveu isto e outras coisas perigosas de pensar.

domingo, 24 de junho de 2007

Sophia

Faz vinte anos que percorro os seus versos que, ainda menina, descobri no meio de tantas dores e silêncios.



Desde há vinte anos, que o efeito em mim da sua escrita causa a mesma reacção. As lágrimas correm-me sem que haja mar suficientemente fundo e amplo que as albergue. O que querem, quando se lê isto:



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.



Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.



Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.



Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 23 de junho de 2007

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Nur ein Wort: Angst

Pois é. Não há vocábulo português, inglês, francês, castelhano, italiano que quadre ao que sinto nesta fase da vida. O recurso é a outra língua que entendo, para além destas. Ao contrário do que sempre sucede quando penso, a palavra alemã é das últimas de que me lembro. E o que sinto é angst, zuviel angst. Atenção que isto não é sinónimo de anguished. É pior, muito pior. Os alemães foram os únicos a fundir medo com angústia. Porque terá sido?

Histórias com Picante

Saber dos amigos através do Google. What a Brave new World. Pois é Olinda, nem me dizes que agora estás numa de cozinha afrodisíaca...Vou ter de actualizar a lista de links ali ao lado.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.

Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...

Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Liberdade

«Livre de quê? Que importa a Zararustra! Mas o teu olhar deve dizer-me claramente: Livre para quê?».

Nem vale a pena dizer quem é o autor disto.

A maldição de Macbeth

Chegar aos 26 sem perceber Shakespeare, em toda a sua perturbadora e sábia magnitude, era algo que, quando me iniciei nele, nunca pensei. Hoje, dou por mim a perceber (penso que, muitas vezes, tarde demais) que tudo, desde os mais discretos detalhes da sua obra, encerra uma grandiosidade intemporal e desarmante: é o que acontece com a maldição que se abate sobre Macbeth: a consciência do seu mal (direi eu, da sua culpa) priva-o do sono reparador e apaziguante que, todos os dias, deveria descer sobre si, levando-o ao limbo da morte, para daí o resgatar de novo em cada dia que amanhecesse. Como não é levado até ao torpor fingido da morte nocturna, para daí ressuscitar diariamente, a loucura apodera-se de Macbeth. Macbeth deixa de poder ceder à imitação quotidiana da morte, caindo na maior e na mais tenebrosa das mortes: a da loucura.

Macbeth não dormirá. Eu, que desisti de carregar culpas alheias e que me deixo abater sobre o peso das que para mim convoco, sofro deste mal. E agora sei mesmo que é um mal. Dos grandes.

Marias, again

Óptimas notícias de Madrid.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Explicação

Não se deixem tentar pela explicação do Mundo. É uma guerra tão perdida quanto a do entendimento dos Homens que, momentaneamente, o habitam.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Rilke e os enganos ou tudo isto «noch einmal»

«É possível (...) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?

Sim, é possível. É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície - que, apesar de tudo, seria qualquer coisa - com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão? Sim, é possível. É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu? Sim, é possível.

É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido? É possível que se tivesse de lembrar a cada um que ele, de facto é proveniente de todos os antecessores, tendo ele disso conhecimento e não devendo dar ouvidos a outros que soubessem outras coisas? Sim, é possível. É possível que todas estas pessoas conheçam em pormenor um passado que nunca houve? É possível que todas as realidades nada sejam para elas; que a sua vida decorra, desligada de tudo, como um relógio numa sala vazia? Sim, é possível É possível que nada se saiba das raparigas que, no entanto, vivem? É possível que se diga «as mulheres», «as crianças», «os rapazes» e não se faça a mínima ideia (apesar de toda a cultura não se faça a mínima ideia) de que há muito que estas palavras não têm plural, mas apenas inúmeros singulares? Sim, é possível. É possível que haja gente que diga «Deus» e julgue que se trate de algo comum a todos? - E veja-se apenas dois rapazinhos de escola: um compra um canivete, e o seu vizinho compra outro tal qual no mesmo dia. E uma semana depois mostram um ao outro os dois canivetes, e acontece que eles só muito de longe se parecem - tão diferentemente evoluíram em mãos diferentes. (Ora, diz a mãe de um deles a esse respeito: vocês têm sempre por força de desgastar logo tudo!). Ah, pois: é possível acreditar que se possa ter um Deus sem se recorrer a Ele? Sim, é possível. Porém, se tudo isto é possível, se tem mesmo só uma aparência de possibilidade - então, por tudo o que há no mundo, é preciso que aconteça alguma coisa. O primeiro indivíduo, o que teve estes pensamentos inquietantes, deve começar a fazer alguma coisa do que se perdeu; mesmo que seja um qualquer, certamente o menos indicado: mais nenhum há que o possa fazer».

Rainer Maria Rilke, in 'As Anotações de Malte Lauridis Brigge'