sábado, 21 de maio de 2011

Nesse dia, acordou, levantou-se da cama revolta e havia uma cicatriz profunda no seu corpo. Era um rasgo, em carne viva, enorme e medonho e ela pensou - num momento esforçado de frieza - como é que era possível estar viva, depois de ter sofrido um golpe daqueles.
Os dias, os meses e os anos passavam e o enigma persistia: como é que era possível estar viva? Raras vezes pensava no que tinha acontecido e, de todas as vezes que se despia e vestia, evitava os espelhos que lhe devolviam a imagem da ferida que não sarava. Mas sabia que não estava morta, nem ia morrer daquilo. Mortos estavam os outros, que andavam como espectros pelas ruas, enquanto ela sabia que estava viva, porque as arestas da ferida lhe doíam noite e dia. Os outros não sabiam o que sentiam, nem se sentiam, sequer. Se calhar alguns deles tinham passado por aquilo, mas tinham continuado com as suas vidas de autómatos, como se nada se tivesse passado. Ela não. Não sarou a ferida nem juntou os estilhaços que de si se desintegraram. E por isso, continuou a sentir-se viva.

2 comentários:

Olinda Gil disse...

A dor faz-nos sentir vivos, mesmo que aos outros não seja visível.

:D

metamorfoses disse...

Infelizmente,a infungibilidade do ser humano e a perenidade de alguns sentimentos, tendem a possuir força semelhante à gravidade, elevada ao insuportável.