quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Danças com lobos

Vou contar-vos uma história. Tenho muitos amigos e amigas. Uma destas últimas confessou-me, entre lágrimas, uma relação que mantinha com um homem casado e de como se sentia mal de cada vez que ele se ia embora e pensava no que tinham feito. Chorava muito. Atormentava-a um daqueles sentimentos de culpa que só se consegue encontrar nas personagens mais negras de Dostoyevsky. Eu era confidente destes amores ilícitos, cúmplice de escapadas e de jantares onde, naturalmente, nunca estive presente. Não tive coragem para censurar, para aconselhar. Limitei-me a ouvir, a passar a mão pela cabeça, deixando cair uns «deixa lá» enquanto um choro compulsivo sacudia o corpo da minha amiga.

O tempo passava e a relação deles continuava, alimentando-se das coisas que as relações improváveis costumam alimentar-se. Até que um dia, encontrei-a menos pálida, com um sorriso tolo a bailar-lhe nos lábios. Disse-me que o tipo se ia separar da mulher (mãe das suas três filhas pequenas) e que iam casar. Deixei-a divagar, ficar feliz, com um contentamento ingénuo que, para mim, era prenúncio de tragédia.

Passadas umas semanas, a minha amiga deixou de atender os meus telefonemas. Será que disse algo que não devia, não me limitei a ouvir, tentei dar conselhos em matéria que me é tão estranha quanto os amores, dei mostras de petulância, de superioridade moral?...Enfim, as culpas motivadas pelo silêncio da minha amiga pesaram-me longas semanas nas costas. Até que um dia...

Fui mandatada para representar uma determinada entidade numa escritura pública de compra e venda de uma casa. Chego ao cartório quinze minutos antes da escritura e, eis quando percebo que quem vai comprar a casa dos meus Constituintes é o amante da minha amiga e a sua respeitável mulher, que me é apresentada como «assessora do Sr. Ministro ...».

Como os meus amigos são geralmente pessoas discretas e bem formadas, o dito cujo não me conhecia de lado nenhum. E a história ficou para mim. Para aprender. E para guardar na minha memória a cara esquálida da minha amiga quando, uns meses depois, e após um longo internamento num hospital psiquiátrico, me encontrou numa conhecida pastelaria lisboeta e a quem eu, naturalmente, não me atrevi a perguntar sobre o estado dos seus amores, coisa que, depois de uns quantos incidentes diplomáticos, acompanhados pela constatação de que a sociedade lisboeta é uma piolheira infecta de gente que conhece todos os seus semelhantes e onde há uma séria probabilidade de nos cruzarmos com quem não queremos, deixei claramente de incluir nos preliminares das conversas.

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