segunda-feira, 21 de maio de 2007

Maria Helena Caldeira

Entregámos ontem o seu corpo à terra. Modo de dizer estranho este, eco da habituação que a contemplação da vida dos seres comuns nos causa e que nos ocorre de imediato ao aludirmos à morte de alguém. O que restou do seu corpo foi hoje reduzido ao pó da terra. Valha-me a memória que me atormenta para a contemplar do lado da eternidade concedida às Filhas de Maria.

E à luz dessa eternidade que a todas nós contempla, dou graças a Deus e a Maria Santíssima por me ter concedido o privilégio de privar consigo, partilhando a sua presença, a um tempo tão discreta quanto marcante, no Mundo que partilhámos, semelhante a um labirinto no qual as paredes eram as estantes da nossa Biblioteca. Se a nossa busca era ou não a do Livro Total, de que nos fala Jorge Luís Borges na sua Biblioteca de Babel, é algo que ainda não consigo inteligir, tão curta é a distância de um tempo que permanece ancorado na minha memória quotidiana, tão presente nos gestos mais simples que de mim se desprendem.

Não me esquecerei nunca da Mulher que colocou o Guerra e Paz, o Crime e Castigo, o Vermelho e o Negro e tantos outros livros marcantes nas minhas mãos de menina. Não me esqueço do olhar que me devolveu quando lhos entregava de volta, inscrita já nas minhas mãos uma cartografia completamente nova.

Obrigada, Maria Helena, por me ter ensinado que esperar pacientemente pela vida com um livro na mão dói menos e que perdoar dói ainda menos. Ontem chorei desamparadamente o ridículo da finitude humana, aliado ao trágico da inevitabilidade perante as fragilidades do corpo, ainda e quando a vontade e a nobreza permanecem perante aquilo a que, vencidas as forças deste cárcere que habitamos na terra, ficamos reduzidos. De onde está, vele por mim e pelos meus, não pelas fragilidades do meu corpo, mas pelas do meu espírito.

Gostaria, queridas Irmãs, neste momento em que invocamos a sua memória, alimento de uma saudade indelével, de propor, por sugestão da Dra. Olinda Gil, que fosse colocada uma lápide na parede na Biblioteca da Nossa Casa, de modo a que o nome da Dra. Maria Helena Caldeira ficasse, para sempre, ligado a um dos seus mais marcantes legados.

E porque a vida é um palimpsesto, e ainda porque a memória humana também o é, permitamos que a memória que guardamos de uma Mulher tão extraordinária não se apague, gravando-a para a posteridade na parede da Biblioteca da Nossa Casa.

Ana Rita
14 de Maio de 2007

3 comentários:

Anónimo disse...

:)

Mas não me chames dra., porque foi a escritora que fez a sujestão... a escritora fez-se com a vida e não na faculdade

Anónimo disse...

O que fica depois de se transporem os portões da necrópole? A finitude, o trágico de que falas e que nos reduzem a uma prostração aterradora? Sabes que quando me recordo da D. Maria Helena Caldeira essas sensações - porque de sensações se trata, com tudo o que têm de poderosa irracionalidade - desvanecem-se, recuam perante a imagem da tranquilidade segura, da humildade sincera de quem, no entanto, tinha um mundo para dar a descobrir a quem se aventurava de mente aberta naquela biblioteca.
Acho que dificilmente haveria outro local que se adequasse tão bem à D. Maria Helena - o silêncio prenhe, a serenidade da verdadeira sabedoria, nela como numa biblioteca. A Olinda teve aquela intuição imediata que é tão dela. Era a homenagem certa para quem nunca procurou protagonismo algum, mas apenas partilhar com os outros uma qualquer verdade sobre a vida através da Arte, onde a vida e a verdade são mais reveladoras. Para nós, aquela biblioteca será sempre dela.
Obrigada Maria pela tua Filha.
vistadalua

sibila disse...

Minhas queridas,

Como sempre, toldam-se-me os arggumentos em face dasvossas palavras. Têm as duas razão: um porque sendo a artista que eu não sou,me desarma com uma frase. A outra, mais do que o lado direito da minha alma, é símbolo da sabedoria (não racionalizável)que eu, debalde, busco.
Dou graças a Deus e a Maria por me terem colocado no caminho seres extraordinários como vocês e como a D. MHC.

;)