quarta-feira, 29 de outubro de 2008

On Politics

A vida política resume-se a abrir caminho entre cadáveres.

Mário Vargas Llosa, A Festa do Chibo

domingo, 26 de outubro de 2008

Catarina


Rita, onde vais? Porque é que foges da doce inquietação que faço roçar pelas tuas pernas? Por que interrompes a posse que quero consumar sobre ti, este querer-te até não poder mais, esta vontade permanentemente insatisfeita e entrecortada pelas tuas escapadelas furtivas aos meus carinhos? Depois queixas-te da minha distância, dos meus caprichos e devaneios. E é só à noitinha quando, esgotada, adormeces, e eu te toco com o meu focinho frio na cara, e tu olhas para mim e eu percebo que, mais uma vez, saio vencedora, porque tu não resistes aos meus encantos. Vivemos entrincheiradas nesta casa e as regras quem as dita sou eu. E tu até gostas das derrotas que te vou inflingindo...

domingo, 12 de outubro de 2008

Meu Deus, agradeço-te este dia, todos os dias que passaram e todos os dias em que pretendas abençoar-me com a continuidade dos dias, para fazer aquilo (que é tanto) que ainda me falta fazer. Obrigada por responderes, mesmo quando o fazes através do silêncio. Muito obrigada por não me teres dado algumas coisas que Te pedi e que Tu, na Tua superior sabedoria, soubeste afastar de mim. Obrigada por me teres feito perceber que tudo depende de mim, porque eu e todos os homens somos a tua continuidade neste mundo e que somos Tu porque nos deste a liberadade de ser. Ser apenas, e ser deuses, como Tu.
Obrigada pelas graças que me concedes, e, essencialmente, pelos perdões continuados, tão continuados como os meus erros e pecados, uns deliberados, outros descuidados, mas todos meus.
Obrigada por permitires que me baste em Ti. Obrigada por me pores na pena as palavras que são o meu ganha pão e que também permitem esta forma imperfeita de agradecer-te, por escrito.
Obrigada.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Vou ali fumar um cigarro e já venho. Tomem conta disto, que vou ali ter um filho e já venho. Vai ser rápido, vão ver, vou ali viver um pouco e já venho. É só um bocadinho que vos peço, para que segurem as pontas desta existência que é a minha para eu ir ali desabelhar e depois, talvez voltar. Há um talvez que separa cada espaço da nossa vida. Um talvez que é cisão e que não é nunca continuidade, porque nunca se volta o mesmo de coisa nenhuma. E o que vos peço é um espaçozinho para ir ali fazer qualquer coisa e voltar (quem sabe), de certeza diferente, se calhar outra, e vão ver que não sentirão sequer que, afinal, fui ali e não voltei eu.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Trato sucessivo


Quid juris
se:

A gosta de B, que gosta de C, mas C é casado com A, que é amigo de B, que não pode ver D, desde que descobriu que este gosta de C. F é casado com B, que está preso por usucapião a esse enlace sem prazer nem brilho, mas que teme que F consume a paixão que nutre por G, vivendo na dúvida sobre tal possibilidade já que G, a instâncias suas, lhe garantiu ser gay…

Bah! Já me perdi no caso prático.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Danças com lobos

Vou contar-vos uma história. Tenho muitos amigos e amigas. Uma destas últimas confessou-me, entre lágrimas, uma relação que mantinha com um homem casado e de como se sentia mal de cada vez que ele se ia embora e pensava no que tinham feito. Chorava muito. Atormentava-a um daqueles sentimentos de culpa que só se consegue encontrar nas personagens mais negras de Dostoyevsky. Eu era confidente destes amores ilícitos, cúmplice de escapadas e de jantares onde, naturalmente, nunca estive presente. Não tive coragem para censurar, para aconselhar. Limitei-me a ouvir, a passar a mão pela cabeça, deixando cair uns «deixa lá» enquanto um choro compulsivo sacudia o corpo da minha amiga.

O tempo passava e a relação deles continuava, alimentando-se das coisas que as relações improváveis costumam alimentar-se. Até que um dia, encontrei-a menos pálida, com um sorriso tolo a bailar-lhe nos lábios. Disse-me que o tipo se ia separar da mulher (mãe das suas três filhas pequenas) e que iam casar. Deixei-a divagar, ficar feliz, com um contentamento ingénuo que, para mim, era prenúncio de tragédia.

Passadas umas semanas, a minha amiga deixou de atender os meus telefonemas. Será que disse algo que não devia, não me limitei a ouvir, tentei dar conselhos em matéria que me é tão estranha quanto os amores, dei mostras de petulância, de superioridade moral?...Enfim, as culpas motivadas pelo silêncio da minha amiga pesaram-me longas semanas nas costas. Até que um dia...

Fui mandatada para representar uma determinada entidade numa escritura pública de compra e venda de uma casa. Chego ao cartório quinze minutos antes da escritura e, eis quando percebo que quem vai comprar a casa dos meus Constituintes é o amante da minha amiga e a sua respeitável mulher, que me é apresentada como «assessora do Sr. Ministro ...».

Como os meus amigos são geralmente pessoas discretas e bem formadas, o dito cujo não me conhecia de lado nenhum. E a história ficou para mim. Para aprender. E para guardar na minha memória a cara esquálida da minha amiga quando, uns meses depois, e após um longo internamento num hospital psiquiátrico, me encontrou numa conhecida pastelaria lisboeta e a quem eu, naturalmente, não me atrevi a perguntar sobre o estado dos seus amores, coisa que, depois de uns quantos incidentes diplomáticos, acompanhados pela constatação de que a sociedade lisboeta é uma piolheira infecta de gente que conhece todos os seus semelhantes e onde há uma séria probabilidade de nos cruzarmos com quem não queremos, deixei claramente de incluir nos preliminares das conversas.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Do silêncio

Estar em silêncio não é o contrário de falar. Silenciar é um acto de comunicação passível de ser valorado e as valorações possíveis do mesmo vão do sim ao não, passando por todas as cambiantes possíveis entre a assumpção de uma culpa e a sua mais tenaz negação.

Ficar em silêncio sem se ser prejudicado é impossível. O silêncio pode até beneficiar-nos. De uma coisa tenho a certeza, depois de quase cinco anos como advogada: a de que o silêncio não é um acto neutral e que não pode ser visto apenas da perspectiva das suas consequências processuais, ergo, como critério de apreciação da prova.

Dizer que o silêncio não prejudica o arguido só é verdade quando se desconheça o sábio aforismo popular segundo o qual : «quem cala consente». O consentimento, se é suficientemente forte para excluir a ilicitude e, nalguns casos, a tipicidade jurídico-penal, é bem capaz de transformar qualquer um de nós em deliquente.

Gosto muito do silêncio. É, definitivamente, o meu argumento preferido. Não é neutro e é a mais temível das armas, que joga com a única coisa de que vale a pena ter medo na vida e que é o nosso permanente desconhecimento sobre aquilo que não nos dizem.

O Estado, pela pena do Legislador, cheinho de medo daquilo que muitos de nós sabem, dá esta falsa garantia de valor neutro ao silêncio, quando sabe, até à náusea, que , por ironia, nada há de tão poderoso no universo comunicacional dos seres humanos, vivendo, porém, na esperança vã de que digamos mesmo a Verdade, como se o acto de falar coabitasse com a Verdade. E sobre esta última senhora, muito há para dizer (ou muito há para silenciar).