Cumpro o imperioso dever de anunciar que este meu espaço de negritude ignorará o que os homens que fazem as leis têm para dizer sobre a estilização da palavra. Estranho tempo, este, em que o lastro cultural da língua é colocado na dependência dos quereres volúveis das maiorias governativas.
Devo confessar que a ideia de um Ministério da Cultura já é algo que fere a minha sensibilidade liberal. Quando a tendência totalitária se estende à definição de um padrão que deveria corresponder a um processo de evolução natural, onde apenas a Ciência deve ter algo a dizer- mas que, estranhamente, é colocado sob a égide do Ministério da Cultura-, assistimos ao grau máximo da intervenção do Estado num processo que não cabe em decretos, porque é a essência, em devir, do acto se se ser e de perdurar no mundo em forma de palavra. A escrita é o mais sublime dos gestos, o mais alto instrumento do pensamento. Uma vez ouvi alguém dizer que quem não são escrever não sabe pensar. A escrita é o mundo pensado.
O dever de um Estado é o de garantir condições de igualdade no acesso à formação, em todos os seus níveis. A cultura deve resultar de uma opção feita individualmente, no pressuposto de que se aproveitaram as condições de educação proporcionadas. Se ao Estado cabe debelar desigualdades no acesso à educação, a cada um de nós, como homens e mulheres livres, cabem as opções culturais.
Somos, contudo, um país de cultos e cultas, que se pavoneiam em vernissages, onde derramam citações de livros que nunca abriram e se dão ares de gente fina. E isto é a cultura que temos e que, permitam-me o pessimismo, continuaremos a ter. Este acordo é a confissão hipócrita de quem se destaca à custa da dolosa bestilização alheia. E este acordo é bestilização e ignorância em estado bruto.
Não se trata de actualizar a língua. Trata-se, isso sim, de consagrar, como formas padrão, formas incorrectas, resultantes de uma norma de Português simplificada, onde o lastro etimológico da nossa Língua se perdeu, fruto do desconhecimento, da distância e do facilitismo.
O que conhecemos hoje de Aristóteles, de Nietzsche e de Kant deve-se, não ao que estes disseram, mas do que deixaram escrito. O pensar é o pensamento do que se escreve e, quando se escreve, trate-se de um trabalho científico ou de um exercício de dissecação dos nossos sentires, há uma mensagem que perdura e que ganha uma modulação que só por via da escrita se atinge. Verba volent. Mas a escrita fica e a língua atinge a sua sublimação total nesse acto de precipitação da essência do que se quer transmitir que é a escrita.
Por isso, meus caros, anuncio-Vos a assumpção (com p) de uma atitude de desabrida desobediência a esta tendência totalizante da bestilização colectiva que é o Acordo Ortográfico.
Continuarei, por isso, a usar as consoantes mudas, os agás e tudo quanto me tem sido ensinado, essencialmente, pelos livros que li. Só não desato a escrever à Fernão Lopes em razão da minha profissão- e tanto dela é a estilização da palavra-.
Estamos conversados.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
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