Art. 28.º

Ausländerin

As obrigações profissionais obrigam-me muitas vezes a abandonar o meu castelo e a ter de, momentaneamente, refazer a minha mesa de trabalho num quarto de hotel. Quando tal acontece em plena época baixa, acontece-me, por vezes, ser a estrangeira solitária que povoa um andar inteiro e que, de noite, se senta num sítio qualquer que permita derramar a vista pelas paragens circundantes enquanto toma o seu chá e fuma

O anonimato é um sossego. Ter de trabalhar hospedada num hotel em plena época baixa é uma benção. Os hotéis são espaços onde não há a propriações nem relações pessoais. E isso é especialmente bom numa cidade onde só se vem quando o dever o impõe e onde a Weltfremdheit de que padeço há quase trinta anos deixa, momentaneamente, de se abater sobre os meus ombros.

Domus Nostra

De repente, há uma face de nos que é já passada, mas ainda tão presente, dotada de uma persistência que não esmorece, ancorada numa esperança do que já foi, e do que ainda agora é, mas que é já memória furtiva, esboço desse ter sido que somos nós, num tempo tão outro, mas tão hoje. E é só quando fragmentos desse tempo, doutro lugar, vêm, inusitadamente, romper o manto de esquecimento que se adensa, dia a dia, que descobrimos que, afinal, somos ainda o que éramos, talvez um pouco outras, talvez um pouco mais ou menos outra coisa, mas sempre as mesmas.

Parece que foi ontem.

Catarina

És das melhores coisas que já me aconteceu. És uma gata-menina, sibilina, afectuosa e de feitio difícil. Gostas dos meus sapatos pontiagudos, das cócegas que as minhas mãos de fazem. Gostas do cheiro da minha roupa e descobres sempre quem está do lado de lá da porta. Gostas do meu colo e da minha cama. Gostas de me ver despida. Gostas de procurar sítios altos para te sentares, com as patas da frente estendidas, nesse teu porte real, quase divino. És a deusa Bastet reencarnada, que habita a minha prosaica casa.