Chiado, domingo de manhã. Não faz frio o suficiente para que considere a rua um espectáculo digno desse nome. A rua está vazia, Lisboa depois do dia de Finados está vazia de gente e oca de si mesma. Há uma rapariga que me interpela. Tem o ar das raparigas dos inquéritos de rua, que eu afasto sempre, com receio que da minha falta de paciência resultem gestos indelicados. Vista de perto (abeirou-se de mim) parece mais velha, já passada há algum tempo a irreversibilidade dos trinta. Dá-me um poema para ler em vez de um questionário. O poema é pior do que mau. Lembro-me que terminava com um inconclusivo «regresso ao útero da palavra».
A má poesia é uma tragédia. Mas o pior é que a rapariga andava a vender má poesia para comer. É verdade. Disse-me estar desempregada e a «tentar sobreviver». Estranho tempo este, o da luxúria do ter, em que até a má poesia é pretexto para matar a fome.
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