Onde estás? Tantos anos se passaram e há uma cicatriz no meu corpo que te chama, que chama o toque da tua mão e que lateja, compassando a tua ausência dos dias que me restaram depois de ti. Depois de ti houve um silêncio, um parêntesis nos sentidos e uma modorra que me arrastou ao limbo do sofrimento transmutado em dor perene. Cicatriz, antiga como o mundo, parte de mim neste corpo que não me pertence. Curiosamente, não me lembro do meu corpo antes da cicatriz, antes do rasgar de dor que a precedeu, que cortou as suas arestas e deixou um rasto de carne viva dias a fio. Não sei sequer se tinha corpo antes de ti.
Sinto a dor do membro mutilado, latejante e viva em cada dia que a minha pele continua a reclamar o teu toque. Cheguei a duvidar que tivesse permanecido mulher, tão estranho se me tornou este corpo cicatrizado. Quando voltei a senti-lo, não pensei em ti, mas a cicatriz continuava lá, mais esbatida talvez, talvez facilmente confundível com o rasto de um beijo mais arrebatado, com os toques persistentes de um cigarro aceso. Depois de ti, houve um tempo em que a presença da minha nudez me era insuportável, com a cicatriz terrível que parecia a tua boca a dizer aquelas coisas que eu não podia nem quis ouvir. Cortei o cabelo, pintei-o de outra cor, para que o teu toque desaparecesse dos compridos fios que me desciam pelas costas. Quis arrancar a pele, para não ter de ver a cicatriz, mas não o fiz. Por isso é que ainda me dói, tanto, tanto.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
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3 comentários:
Texto pesado. Mas muito bom. Hoje que a narratriz relembra «aquelas coisas que não podia nem quis ouvir» talvez caia uma camada de dor e renove a pele.
Muito obrigado pelo comentário. Foi graças ao seu primeiro comentário que reli a Aparição. Tenho de lhe agradecer, porque foi uma óptima redescoberta!
Espero que tenha um bom ano. Espero que as más horas de espera na "Boa Hora" não custem tanto. Saúde e sucesso, pessoal e profissional, é o que lhe desejo.
Manuel
Caro Manuel,
Muito obrigada.
Fique bem.
Meu amor, meu amor...minha poetisa. Minha querida...amo-te.
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